Nota da Prefeitura tenta desviar foco do conflito de interesse, mas documentos oficiais e a Lei de Licitações confirmam indícios de irregularidade.
Após a leitura, na sessão da Câmara Municipal de Itararé, de uma nota emitida pela Prefeitura em resposta à reportagem publicada pela Folha Sudeste, o jornal reitera seu compromisso com a informação verificada e esclarece ponto a ponto as alegações feitas no plenário pelo vereador Walter de Oliveira.
A nota buscou minimizar os fatos apresentados na matéria “R$ 125 mil em aluguéis: secretário de Administração aluga imóveis de empresa de locação ligada à própria família”, mas os documentos oficiais, os registros públicos e a legislação federal confirmam que há indícios consistentes de conflito de interesse.
Ponto a ponto: o que diz a lei e o que mostram os documentos
1. “O secretário não compõe o quadro societário da Espaço Imóveis.”
A Folha Sudeste não afirmou que o secretário Luiz Carlos Fernandes é sócio atualmente.
A apuração aponta — e documentos da Junta Comercial do Estado de São Paulo (JUCESP) comprovam que ele foi sócio-administrador da empresa até 2018, quando transferiu as cotas à própria filha, Arieli Susan Fernandes, mantendo vínculo familiar direto com a empresa.
Base legal: o artigo 9º, inciso III, da Lei nº 14.133/2021 proíbe a contratação, direta ou indireta, de empresas que tenham sócios com parentesco até o terceiro grau com agentes públicos da administração contratante.
A mudança formal de titularidade não elimina o conflito de interesse quando há relação familiar e o agente assina os contratos.
2. “A empresa já alugava imóveis antes de ele ser secretário.”
Mesmo que isso tenha ocorrido, o histórico anterior não valida contratos posteriores assinados por ele enquanto ocupava cargo de chefia. A partir do momento em que o secretário passou a autorizar e ratificar contratações da empresa ligada à própria família, há potencial violação dos princípios da impessoalidade e moralidade administrativa (art. 37 da Constituição Federal).
O Decreto Federal nº 10.889/2021 reforça que conflito de interesse não se limita à vantagem direta, mas também a situações que possam afetar a imparcialidade do agente público.
3. “A Prefeitura tem poucos imóveis disponíveis e usa os da Espaço Imóveis por necessidade.”
A escassez de imóveis não é hipótese legal para dispensar licitação.
A inexigibilidade (art. 74, inciso V, da Lei 14.133/2021) só é cabível quando o imóvel é exclusivo para o interesse público e sua localização é essencial, mediante comprovação técnica e parecer jurídico o que não foi apresentado.
Sem publicação dos estudos técnicos e pareceres no portal da transparência, a alegação de necessidade não se sustenta legalmente.
4. “A imobiliária apenas intermedeia e não recebe todo o valor.”
Nos extratos oficiais, a contratada é a Espaço Imóveis Ltd, não o proprietário do imóvel.
A lei reconhece a empresa signatária como beneficiária legal do contrato, independentemente de repasses a terceiros.
Portanto, é ela quem figura como parte contratual e recebe o pagamento público, sendo a intermediação irrelevante para efeitos de responsabilidade administrativa.
5. “O valor citado é anual, não mensal.”
A Folha Sudeste nunca afirmou que o valor era mensal.
A reportagem explicitou que se tratava de valor anual, conforme os extratos publicados na Imprensa Oficial, e ainda apresentou o valor mensal estimado com a devida observação explicativa.
A alegação de erro é improcedente: os valores publicados seguem fielmente os documentos oficiais.
6. “Os imóveis atendem outras secretarias, não a de Administração.”
Mesmo que o uso dos imóveis seja destinado a outras secretarias, os contratos foram assinados e ratificados pelo secretário de Administração, conforme registrado oficialmente:
“No uso das atribuições legais conferidas a mim, Luiz Carlos Fernandes, Secretário Municipal de Administração…”
A responsabilidade administrativa recai sobre quem autoriza, assina e ratifica não sobre a secretaria usuária.
7. “Foram feitas três cotações e o valor é de mercado.”
Cotações de preço não substituem o processo licitatório, nem afastam a análise de conflito de interesse.
O art. 74, §3º, da Lei 14.133/2021 exige justificativa técnica detalhada e parecer jurídico não apenas comparativos de valores.
Sem transparência pública desses documentos, não há comprovação da regularidade das contratações.
Nº | Inexigibilidade | Valor Mensal (R$) | Valor Total (R$) | Local | Finalidade |
---|---|---|---|---|---|
1 | nº 06/2025 | 1.300,00 | 15.600,00 | Rua Itararé, 1.093 – Vila Osório | Depósito de materiais educacionais e de eventos |
2 | nº 07/2025 | 5.166,66 | 61.999,92 | Rua São Pedro, 481 – Centro | Atividades esportivas e culturais |
3 | nº 10/2025 | 2.000,00 | 24.000,00 | Praça Siqueira Campos, 20 – Centro | Projeto Guri |
4 | nº 13/2025 | 2.000,00 | 24.000,00 | Rua Coronel Crescêncio, 30 – Centro | Residência terapêutica feminina |
A nota da Prefeitura de Itararé não desmente os fatos.
Pelo contrário, confirma que o secretário assinou contratos com uma empresa mantida por sua própria família, em um contexto que exige apuração formal pelos órgãos de controle, como o Ministério Público e o Tribunal de Contas do Estado (TCE-SP).
A Folha Sudeste reafirma sua disposição para colaborar com qualquer investigação, mantendo seu compromisso com o jornalismo responsável, a ética pública e o interesse do cidadão.
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