O transporte de um paciente em um caminhão baú no dia 12 de novembro, em Itararé (SP), expôs uma crise profunda no sistema municipal de urgência e emergência. O episódio, gravado e amplamente divulgado pelas redes sociais, não foi um fato isolado. Ele revelou falhas estruturais que vinham sendo denunciadas antecipadamente e que, segundo apuração da reportagem, estavam sob responsabilidade direta da secretária municipal de Saúde, Tais Chagas Felix.
Documentos oficiais, relatos de servidores e declarações públicas na Câmara mostram que, sob a gestão de Tais Chagas Felix, a ambulância do SAMU ficou meses parada, com o conserto concluído e retida por falta de pagamento. Além disso, a Secretaria não disponibilizou a ambulância branca como retaguarda, mesmo diante da ausência simultânea de viaturas do Corpo de Bombeiros e do próprio SAMU.
A soma dessas falhas levou ao atendimento improvisado que terminou com o transporte de um paciente em um caminhão baú.
Dois episódios distintos mostram falha sistêmica sob a gestão de Tais Chagas Felix
CASO 1 — Antes de 10/11: morador ficou 1h30 no chão sem ambulância
Na sessão de 10 de novembro, o vereador Walter relatou um episódio ocorrido dias antes, em que um morador caiu de bicicleta, bateu a cabeça e permaneceu uma hora e meia no chão aguardando socorro.
Esse caso não tem relação com o episódio do caminhão baú, ocorrido no dia 12.
São eventos distintos, mas ambos revelam um padrão de desassistência.
Segundo o vereador:
- A ambulância do Corpo de Bombeiros estava em Itapeva
- O SAMU atendia outra ocorrência em área rural
- O COBOM chegou apenas com o caminhão de resgate, que não transporta pacientes
- Houve demora excessiva na triagem do SAMU
- A central de Sorocaba não transferiu a chamada
- A informação da central não batia com a real disponibilidade de frota
“Se fosse um infarto, estava morto”, afirmou o vereador.
O vereador Pastor Marquinhos relatou caso semelhante, indicando falha recorrente.
CASO 2 — 12/11: paciente é levado em caminhão baú
No dia 12, o quadro crítico se repetiu com gravidade maior: sem ambulância do SAMU, sem ambulância dos Bombeiros e sem veículo municipal de apoio, um paciente foi transportado de forma improvisada em um caminhão baú.
O cenário era previsível e evitável, segundo documentos analisados pela reportagem.
Ambulância pronta desde 6 de novembro ficou parada por falta de pagamento na gestão de Tais Chagas Felix
A Nota de Empenho nº 18094/2025 e o Relatório Analítico de Fornecedores mostram que:
- O conserto foi finalizado pela Valec
- Documento fiscal foi emitido em 6 de novembro
- O conserto totalizou R$ 27.732,97
- A franquia do seguro é de R$ 29.863,20
- Até o fechamento, nenhum pagamento foi registrado
Sem pagamento, a concessionária não liberou a ambulância.
O veículo poderia estar operando no dia 12, mas permaneceu retido.
Essa situação ocorreu sob gestão direta da secretária Tais Chagas Felix, que tinha total autonomia administrativa para priorizar o pagamento e liberar a ambulância.
Ambulância estaria parada desde junho; processo só começou em agosto
Fontes internas afirmam que o veículo está na concessionária Renault de Sorocaba desde o final de junho de 2025. Já o processo formal de contratação do conserto só começou em 22 de agosto. Ou seja, a gestão perdeu cerca de dois meses entre deixar a ambulância na concessionária e iniciar o processo administrativo.
Segundo relatos internos, a ambulância foi enviada para a Renault antes mesmo de haver definição sobre fornecedor ou orçamento, revelando desorganização e antecipação administrativa sem critério técnico.
Especialistas ouvidos avaliam que a demora é “incompatível com a natureza do serviço” e que a gestão demonstrou “baixa capacidade de priorização”.
Seguro não foi acionado; economia gerou atraso e ampliou o risco para pacientes
Como o conserto ficou abaixo da franquia, a Secretaria poderia acionar o seguro, mas optou por não fazê-lo para evitar custo maior. A decisão é juridicamente válida. Mas, segundo especialistas ouvidos, não foi a mais vantajosa.
Por que
- Acionar o seguro teria sido mais rápido
- O processo seria intermediado pela seguradora
- A ambulância poderia ter voltado antes
- O Município não ficaria dependente de trâmites internos lentos
Na prática, a economia imediata se converteu em prejuízo operacional: dias sem ambulância, risco ampliado e impacto direto sobre a população.
A segunda omissão: ambulância branca não foi colocada à disposição do SAMU
Mesmo sabendo que:
- A ambulância do COBOM estava fora da cidade
- A ambulância principal do SAMU estava parada
- O município ficaria praticamente descoberto
A secretária Tais Chagas Felix não disponibilizou a ambulância branca como retaguarda operacional. Fontes da própria pasta afirmam que a gestão “sabia do risco e não agiu”.
Tentativa de culpar o COBOM não se sustenta
Após o episódio, houve tentativa de transferir a responsabilidade para o Corpo de Bombeiros.
Mas a legislação é clara:
- O COBOM faz resgate inicial
- O transporte é responsabilidade do Município, via SAMU e viaturas próprias
- Quando ambulâncias estaduais estão deslocadas, cabe ao Município a retaguarda
- Nenhuma dessas medidas foi adotada pela Secretaria de Saúde
Câmara cobra providências
O Pedido de Informação nº 49/2025 já questionava, antes do caso do caminhão baú:
- Onde estava a ambulância branca
- Por que a ambulância consertada não era retirada
- Qual era o plano de contingência
- Por que a central do SAMU funcionava de forma descoordenada
- Por que as falhas denunciadas eram ignoradas
A secretária Tais Chagas Felix não apresentou respostas públicas até o momento.
O que diz a Prefeitura
A reportagem solicitou informações sobre:
- Motivo da falta de pagamento
- Situação da ambulância retida
- Ausência de retaguarda
- Falhas operacionais
- Previsões de normalização do serviço
Até o fechamento, não houve resposta.
FIQUE POR DENTRO
Quem é responsável pelo transporte de pacientes
- A responsabilidade é do Município, conforme o SUS
- Bombeiros realizam resgate e estabilização, não transporte
- Cabe à Secretaria de Saúde manter frota, prever substitutos e agir preventivamente
Quando a frota falha, a população fica exposta.












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